“Não sabemos mais nada sobre a sexualidade”. Essa afirmação, feita por José Nazar na última reunião de membros de nossa Escola, só pode ser tomada se pudermos acrescentar que, na verdade, nunca houve saber que nos permitisse o acesso ao impossível entre os sexos.
Freud ouviu inicialmente sujeitos desapropriados de sua fala, embora falantes. Ele devolve ao suposto falante a condição de poder dizer. As histéricas sofrem e se queixam de seus sintomas, elas demandam um saber. Sim, o não saber sobre o sexual faz sintoma. Quem fala hoje?
Deparamo-nos com narrativas e testemunhos que apontam para o mal-estar sexual no laço social. A presença de um maior debate sobre políticas, posicionamentos éticos frente à segregação, à exclusão, ao preconceito, à violência, enfim, a discussão frente a tudo que impeça a afirmação das diferenças se faz hoje fundamental. Mas será que estamos diante de novas estruturas discursivas ou de novas formas, roupagens e narrativas sobre os impasses frente ao impossível de um saber pleno sobre o sexual?
Homossexualidades ofendidas, maternidades arrependidas, femininos violentados, masculinos brutais, equivocações frente à identificação ao sexo são acontecimentos que apontam para o mal-estar sexual no laço social. Isso se revela com maior expressão a partir do advento da Modernidade, quero dizer: no campo do Direito, da Cultura, das Artes, da Literatura e das outras Ciências Humanas.
A posição sexuada é uma construção, a partir de pelo menos duas questões, com as quais um neurótico se depara: “qual é o meu sexo” e “qual é o sexo do objeto do meu desejo?” Não se pode deixar o Outro de fora. O sexual que vem do Outro produz aquilo que Freud estabeleceu como evento traumático. A marca sexual que vem do Outro se aloja como cicatriz traumática, como um enigma, como um impossível.
O sujeito porta uma marca enigmática do sexual como aquilo que falta ao Outro e que resta como causa, portanto, articulável ao desejo do Outro. O neurótico, para interrogar o sexual no desejo do Outro, se oferece como objeto, como aquilo que resta da perda no Outro. Costumamos afirmar que é em torno disso que o neurótico constrói a sua fantasia.
Podemos propor que todo neurótico experimenta-se entre a posição de sujeito e a condição de objeto. O escândalo freudiano foi afirmar que em termos sexuais não há como dispor do outro senão como objeto e se fazendo também objeto. O neurótico, para formular algo sobre o seu ser, precisa se oferecer como objeto. É como objeto que ele está mais próximo do sexual do desejo do Outro.
Experimentar-se entre a posição de sujeito e a condição de objeto é o acesso do falante ao sexual. Nesse ponto, proponho uma questão sobre a transexualidade: por que intervir no real do corpo para estabilizar na imagem especular de uma identidade sexual o impasse simbólico dos sexos? O fato, por exemplo, de que homem e mulher são significantes, não havendo acesso ao ser pleno no sexo para o sujeito. Essa é uma questão difícil e delicada.
Lacan aponta para a questão da histérica com a instabilidade de sua imagem especular, justamente a histérica que dirige ao mestre a pergunta: “qual é o meu sexo?”. Vejam como o sexual está no centro da clínica: 1- como aquilo que concerne à pulsão e ao objeto a; 2 – como o que concerne ao falo e a sua significação; 3 – como algo que liga “o ser” à imagem especular dos sexos.
O sexual, como marca enigmática do Outro, faz sintoma? Investir eroticamente no próprio corpo e no corpo do parceiro implica em simbolizar, dar voz ao sexual que brota do real do corpo e da pele da linguagem. Somos, inicialmente, todos sintomas desse “trans” que é a transmissão da marca sexual do Outro para o sujeito/objeto?