A experiência de um cartel: recortes, retalhos e costuras
Por Caroline Fabricio
Iniciamos o cartel “textos freudianos” com o intuito de lermos exclusivamente Freud, porém percorrendo textos que não se tratavam necessariamente da técnica psicanalítica, mas de textos em que Freud se esforça em trazer a psicanálise para discussão com outros campos de saber, como a mitologia, antropologia etc. Como em 2018 tínhamos a eleição do atual presidente, este era o nosso esforço para pensarmos o que ainda viria.
2020 começa e com ele uma pandemia – a mudança era global.Pprecisávamos, novamente, assim como em 2018, pensar sobre os efeitos dessa novidade em nossa vida. Há algum tempo, venho pensando e trabalhando sobre a formação analítica e lá em 2018, quando também entro para o Mestrado, me deparo com uma articulação interessante, aonde, para pensar a formação do analista, eu precisaria, necessariamente, entender a história da psicanálise e suas nuances.
Freud não se furtava ao esforço de compreender as vicissitudes da vida, seja em sua clínica, seja no social. A história do movimento psicanalítico é mais que um texto sobre os caminhos da psicanálise, é um texto político. Totem e tabu é a leitura (genial) de Freud, sobre o que seria o nascimento da civilização. Mal-estar na cultura é, novamente, o esforço de Freud em pensar o humano na Primeira Guerra Mundial.
Os caminhos do cartel se cruzavam com os do mestrado, cada vez mais se tornava indispensável pensar o social à luz da psicanálise. O acontecimento George Floyd me impacta profundamente, o racismo é um tema de grande relevância para mim. Em minha última apresentação na Escola, utilizo uma metáfora para falar do trabalho em uma Escola de psicanálise, comento que o considero como uma colcha de retalhos, onde cada um entra com seu (re)talho e dele faz uma colcha. Aparentemente bonita e que aquece ou acolhe, mas é só aparência – os retalhos marcam que é disso que se trata, sempre de um retalho.
Essa metáfora não é qualquer uma para mim, como disse em minha apresentação. Minha mãe faz belos trabalhos com retalhos de tecido. Sou um retalho dela e dessa posição de desamparo. De talhos em retalhos é que venho trabalhando, tentando produzir novas costuras para minha relação com ela, mas também com meus pares, meus familiares, mas também a minha relação com a polis. De que forma posso colocar meus retalhos a serviço de algo que faça eco no outro? Ou melhor, que os meus retalhos produzam efeito de costura para outros?
Para isso, preciso me colocar ao trabalho e agora, dois anos após o começo deste cartel, percebo que a costura se deu. É interessante, pois quando uma pessoa sai de um cartel usamos o significante “desnodulou”, algo como o “nó desatou”. Nesse cartel que agora está concluído, o nó se deu, aliás, ainda se dá, à medida que aqui ainda escrevo. Penso que é isso que se espera de um cartel: trabalho, trabalho feito a várias mãos e com vários recortes.