Durante muito tempo, pouco se falou sobre esse tema na psicanálise. A primeira obra brasileira a tratá-lo, e uma das poucas até hoje, é o livro “Tornar-se negro: ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social” da psiquiatra e psicanalista negra Neusa Santos Souza, de 1983. O livro é considerado o primeiro e um dos mais importantes livros de todo campo psi a abordar o tema. Neusa traz reflexões acerca dos efeitos psíquicos, com consequências no corpo, que o discurso dominante e hegemônico da branquitude produz nas pessoas negras que buscam uma ascensão social.
O racismo é compreendido como base da estrutura social de nossa sociedade. Assim, é fundamentalmente estrutural e estruturante das relações sociais. É uma forma de racionalidade, de normalização e compreensão das relações. Trata-se de um fenômeno conjuntural, que atravessa a economia, a política e a subjetividade. Gera opressão, nega direitos e cria desigualdades. Dessa forma, o racismo mostra-se como uma estratégia de poder que produz verdades, saberes e modos de subjetivação.
O inconsciente, como formulado por Freud e destrinchado por Lacan, não pode ser pensado fora do social. Afinal, o inconsciente é o discurso do Outro. Lacan chega a afirmar que o inconsciente é o social e que o inconsciente é a política. Dessa forma, não é possível pensar o inconsciente fora de um contexto sociocultural. O que se passa na pólis tem efeito na subjetividade de nosso tempo. Na clínica vamos sempre escutar aqueles que nos dirigem suas palavras no singular do caso a caso. Mas as questões e sintomas trazidos pelo sujeito dizem do tempo e da cultura em que ele vive, isto é, da incidência do social. A melhor maneira de pensarmos o sujeito do inconsciente é mebianamente, nessa articulação do dentro e fora em que um atravessa o outro.
Por isso, é preciso que falemos e elaboremos sobre o racismo. Pois se o inconsciente é o social, se o sujeito está nesse atravessamento do dentro-fora, e o racismo é estrutural e estruturante em nossa sociedade, fica evidente que vamos escutar efeitos dele no psíquico. É urgente que pensemos sobre a incidência do racismo estrutural na subjetividade de nosso tempo e no sofrimento que ele gera nos sujeitos que o experimentam no corpo.