Sérgio Cwaigman Prestes
Falar da neurose obsessiva hoje em dia, em pleno século XXI, é, praticamente, falar do passado, de algo que está completamente ultrapassado. Frente aos avanços da medicina e das neurociências o termo neurose foi substituído por outro, mais moderno, denominado de transtorno, eliminando-se assim toda e qualquer referência aos conceitos psicanalíticos.
Atualmente a neurose obsessiva é conhecida como TOC – Transtorno Obsessivo e Compulsivo. É muito comum pessoas chegarem ao consultório dizendo que tem TOC. Aliás, qualquer comportamento mais compulsivo leva o sujeito a perguntar: tenho TOC? No entanto, para a psicanálise, um sintoma ou um conjunto deles, não define uma estrutura, nem mesmo um diagnóstico. Até porque podemos encontrar sintomas histéricos em obsessivos, e sintomas obsessivos em histéricos.
A clínica do obsessivo, para além do discurso médico-científico, é uma clínica que testemunha os inúmeros sofrimentos e impasses do sujeito na relação com o seu desejo que está na base dos seus pensamentos obsessivos e atos compulsivos.
Para alguém como o obsessivo que quer ter total domínio de si e do Outro, o desejo é algo da ordem do insuportável na medida em que ele sempre escapa da apreensão do sujeito. E por quê? Porque o desejo é o que se produz na hiância aberta pela fala na demanda, é o que está sempre numa relação de alteridade com o sujeito, furtando-se, esquivando-se, pois se encontra no inconsciente de acordo com Freud e Lacan.
Como o obsessivo não pode domina-lo todo o seu esforço se concentra em rechaçar, afastar, manter à distância da consciência tudo o que é da ordem do desejo, tudo o que é da ordem do sexual. Sua postura é a de não correr riscos, evitar tomar decisões apressadas, suspender a ação, aguardar o momento ideal que nunca chega. Enquanto isso, ele é bem-comportado, cumpre seus deveres e suas obrigações, não se revolta, agindo como se fosse um sacerdote capaz de sacrificar seus próprios desejos em nome do bem-estar dos outros. Ele tem a alma de funcionário público, nas palavras de Melman, ele é funcionário do pai, ele é funcionário da família.
Quando se trata de dinheiro, então, ele se mostra mais correto ainda levando o mesmo autor a apontar para o que ele chama de “escrúpulo contábil” do obsessivo, que tem medo de dever dinheiro e que devam dinheiro a ele. Por conta deste escrúpulo ele vive contando o dinheiro para ver se não perdeu nada ou se não foi roubado.
Mas falando assim o obsessivo parece um sujeito bem bonzinho, mas a gentileza excessiva e a oblatividade tentam recobrir com os significantes da demanda a agressividade e o ódio pelo Outro. Como o próprio Lacan diz: “suas intenções, por assim dizer, não são puras”. É muito comum vermos sujeitos obsessivos gentis e cordatos terem, de uma hora para outra, seus rompantes de agressividade, raiva e ódio seguido de um pedido de desculpas por temerem as retaliações do Outro.
Nesses momentos chegamos a duvidar da sanidade mental dos obsessivos, parecem malucos, mas “ele é um homem, nas palavras de Lacan, que vive no significante. Está muito solidamente instalado nele. Não tem absolutamente nada a temer quanto à psicose”.
Isto mostra o caráter paradoxal da relação do obsessivo com o seu desejo, pois, se por um lado, ele busca destruir o Outro para afirmar a sua subjetividade, por outro, ele necessita manter o Outro para a existência do desejo. Sem o Outro não há desejo. Sem o Outro não há sujeito. Desse modo, a saída é matar o desejo transformando tudo em demanda. Ele renuncia ao gozo e transfere para o Outro. É o sujeito que faz a cama para o outro deitar e depois reclama que ele não lhe dá a vez.
Como se pode ver, o desejo, para esses sujeitos, é vivido como algo da ordem de um gozo impossível de suportar e por isso a hora de agir é sempre adiada. No discurso o ato está sempre presente só que no tempo futuro. O sujeito posterga, adia, procrastina, fica em dúvida, pensa mais um pouco, quer ter certeza, mas na hora ‘agá’ fica parado, imobilizado, tem medo das consequências e não age porque ele quer fazer a coisa certa para eliminar as contingências e prever os imprevistos. Por isso ele precisa de tempo. Muito tempo. Tempo que na grande maioria das vezes nunca chega. Como dizia Lacan no Seminário O desejo e sua Interpretação “é sempre para amanhã que o obsessivo reserva o verdadeiro engajamento do seu desejo”.
Para garantir que o amanhã nunca chegue o obsessivo lança mão da dúvida que ele utiliza para se aproximar de um objeto de desejo e a procrastinação que representa o tempo dado pelo sujeito para a assunção deste objeto. A combinação destes dois traços representa bem a estratégia do obsessivo frente ao desejo: torna-lo impossível, como dizia Lacan. Muito embora todo e qualquer objeto do desejo porte a marca da impossibilidade, dado que todo encontro com o objeto é sempre um desencontro nas palavras de Freud, “o que caracteriza o obsessivo, segundo Lacan, é que ele enfatiza o encontro com essa impossibilidade. Dito de outro modo, ele arranja as coisas para que o objeto de seu desejo adquira valor essencial de significante dessa impossibilidade.”
Enquanto para a histérica o desejo é da ordem de uma insatisfação para o obsessivo é da ordem do impossível. “Eu tento, mas não consigo”. É uma frase bastante comum que o sujeito adota para justificar a sua inércia frente ao desejo e a distancia que o separa do seu ato. “Não é que eu não tente, eu tento, mas não consigo agir”.
Mas a inibição do obsessivo, sua atitude evasiva frente ao desejo, não implica em paralisia. Ao contrário, desde cedo se instala nele uma compulsão para executar determinados rituais e regras, que ele segue rigorosamente, e em torno das quais sua vida passa a estruturar-se.
Aliás, a compulsão do obsessivo também pode manifestar-se numa atividade incessante, como a dedicação excessiva e exclusiva ao trabalho em detrimento do tempo livre e das férias. Isto mostra o quanto “no obsessivo, segundo Lacan, o trabalho é poderoso, sendo levado a cabo para liberar o tempo do grande véu que será aquele das férias – e a passagem das férias se revela habitualmente como mais ou menos perdida”.
Para o obsessivo as férias são um grande problema porque ele nunca acha que é merecedor desse tempo. Por mais que ele trabalhe alguma coisa vai acontecer se ele tirar férias. Não é a toa que existem muitos sujeitos obsessivos que não tiram férias. Alguns até preferem vende-las para a empresa aonde trabalham. Aliás, não a nada pior para o obsessivo do que ele não poder vender as férias e ser obrigado a goza-las.
Um paciente diz: “só tiro férias no trabalho.” Ele se orgulha de nunca ter tirado férias. Ele reclama muito do trabalho, não gosta do trabalho, mas começa a ficar nervoso e apreensivo quando chega o período de férias. Ele não sabe o que fazer, não consegue nem planejar este período porque não se julga merecedor de férias por mais que ele trabalhe.
Por conta disso, as férias se revelam, na grande maioria das vezes, como perdidas, porque ele precisa da chancela, da permissão do Outro para obter o merecido descanso. Para o obsessivo o que importa é o Outro. É diante de quem, nas palavras de Lacan, tudo isso se passa. É esse que é preciso preservar a qualquer preço, o lugar onde se registra a façanha, onde se inscreve a sua história.
Em sua persistente e árdua tarefa de estar a serviço do outro, o que o obsessivo busca é o testemunho do Outro. Sua relação com o Outro consiste, como já vimos, em pedir permissão, colocando-se na mais extrema dependência dele para ter acesso ao desejo.
Porém, para ter acesso ao desejo, o obsessivo necessita destacar-se ou descolar-se da demanda do Outro. Isto implicaria em se deparar com a falta no Outro que ele normalmente se recusa a querer ver ou saber. Ele é o chato que vive dizendo não para a falta no Outro. É o sujeito do contra. Ele nem espera o outro terminar de falar e já está dizendo não para, justamente, não correr o risco de se deparar com a falta no Outro.
O obsessivo é um sujeito de poucas palavras ou, melhor dizendo, de palavras sob medida. Ele não quer deixar furos em seu texto e por isso procura descrever os fatos nos mínimos detalhes buscando a exatidão das palavras. Em sua religião particular, o obsessivo não pode pecar e por isso seu texto é impecável.
Para o obsessivo, então, o desejo é um pecado mortal que ele evita a todo custo, pedindo a Deus para não cair em tentação. A questão é que anulando o desejo do Outro, o obsessivo acaba anulando o próprio desejo, abrindo caminho para o gozo do Outro.
A vida para esses sujeitos é bem dura. Aliás, eles adoram tornar a vida dura, difícil, complicada, enfim, tornar a vida uma merda, pois quanto pior mais longe do desejo estarão e mais próximo do gozo vão estar. Por isso, Lacan, no Seminário A Transferência, afirma que o que se tem a fazer, na neurose obsessiva, é restituir a função do desejo.
Vocês devem estar se perguntando, ao final deste trabalho, se o obsessivo tem jeito ou tem cura. É uma boa pergunta. Ainda que o obsessivo não se preste tão facilmente à cura analítica, para Freud e Lacan ele representa a melhor indicação de análise, ou melhor, se há uma verdadeira neurose, é a neurose obsessiva.