Angela Maria C. Silva Cassol
Falar do significante Pai não é tarefa fácil. Cada sujeito tem sua história particular em relação a este lugar tão fundamental da estrutura, da vida. Abordar o conceito Pai na teoria analítica não é também, uma tarefa fácil.
Freud e Lacan, levaram o questionamento sobre o “que é Um Pai” as últimas consequências. Em seu último texto, Moises e Monoteísmo, Freud desenvolveu suas últimas interpretações sobre “o pai” e nos deixou várias questões.
Lacan ao longo de sua obra produz e avança neste conceito tão caro. Este axioma “ Prescindir do pai com a condição de servir-se dele”, traduz sua versão ou interpretação, sobre o final de uma análise e sua conclusão sobre esta função nessa finalização.
É sobre este tempo de concluir, que pretendo abordar, a bordar algumas palavras bordando questões que me acossam.
Este tempo de concluir, o que se borda no instante de ver, requer um tempo para compreender.
Se o Pai está na origem de nossa “neurose, de nosso romance famíliar, de nossa fantasia, portanto, da estrutura de linguagem que nos funda como sujeito, como operar diante de sua queda, diante da dessubjetivação do sujeito suposto saber?
E sua dessubjetivação ao final de uma análise?
O amor e o ódio, sustentam a transferência, sendo o alicerce do “sujeito suposto saber”. Como nos disse Freud: “aquele que sabe, eu o amo”. Assim nasce na relação com o “Pai”, os fundamentos da transferência.
Ao tratar das questões do “Pequeno Hans”, nos revela esse ponto do amor e ódio da criança em sua relação a esse “terceiro”, a esse que vem ocupar o lugar do pai. Hans buscava esse pai interditor em sua fobia. Importante ressaltar que o pai de Hans ao não se colocar neste lugar de interditor, possibilita o surgimento da fobia.
Esse que interdita a relação erótica com a mãe e que “sabe das coisas”, sabe como nascem os bebês, sabe sobre os pipis. Sobre as excitações experimentadas em seu pipi.
Interdita, portanto, atrapalha e mais, é ele que possui este objeto amado. Sabe! É ele quem poderá dizer sobre o gozo, sobre a origem, sobre o “falo”. Lacan, introduziu a esta operação denominada por Freud de complexo do Édipo e castração, a “Metáfora Paterna”.
“… A metáfora Paterna… concerne a função do pai… Esta no centro da questão do Édipo, e é aí que vocês a veem presentificada”.
Tratará esta questão no “Seminário Livro 5 – As formações do Inconsciente”, tempo onde se debruça profundamente no registro simbólico do psiquismo.
Neste seminário alude pela primeira vez ao que depois constituiu o axioma aqui proposto.
“Em outras palavras é preciso ter Nome-do-Pai, mas é também preciso que saibamos servir-nos dele. É disso que o destino e o resultado de toda história podem depender muito”.
Lacan, J. Seminário 5, p. 163
“Não digo que ele já não interessasse efetivamente antes, mas meu discurso pôde deixa-lo, até o momento, em segundo plano, ou até prescindir dele”.
Lacan, J. Seminário 5, p. 193
Neste Seminário Lacan ao introduzir o conceito de Metáfora Paterna no complexo de Édipo e de castração, elevará esta experiência à função significante, ou seja, esta experiência articula o desejo e o gozo a partir do significante Nome-do-Pai.
“… É isto: o pai é uma metáfora”. Uma metáfora, que vem a ser isso?… Uma metáfora… É um significante que surge no lugar de um outro significante. Digo isso é o pai no complexo de Édipo.
… A função do pai no complexo de Édipo é ser um significante que substitue o primeiro significante introduzido na simbolização, o significante materno.” Lacan, J. Seminário 5, p.180
…”ela vai e que ela vem”.
Lacan, J. Seminário 5, p.181
Trata-se de desenvolver a função simbólica do Pai, operação de interdição e normatização.
No Seminário 23 – O Sinthoma – trará novamente as palavras prescindir e servir-se do pai, dessa vez num único parágrafo:
“A hipótese do inconsciente, sublinha Freud, só pode se manter na suposição do Nome-do-Pai é Deus. Por isso a psicanálise, ao ser bem sucedida, prova que podemos prescindir do Nome-do-Pai. Podemos sobretudo prescindir com a condição de nos servirmos dele”.
Lacan, J. Seminário 23, p.131/132
Neste seminário, esta desenvolvendo o registro real do inconsciente. Utiliza-se da topologia para tal.
Este parágrafo aparece quando esta discorrendo sobre o verdadeiro furo.
Até este ponto do Seminário, não introduziu o Pai como quarto elo. Já no Seminário da Lógica do Fantasma, Lacan nos alertou sobre a estrutura de linguagem e também do inconsciente ser quaternária. Neste trabalho não vou discorrer sobre esta passagem do três ao quarto elo. É um desafio que me lancei para trabalhar em cartel.
Um recorte:
“Um nome, um significante do nome de meu pai, isso na minha história, me mantinha conectada com a vida”.
Como ler este recorte?
A experiência do espelho permite a construção dessa imagem onde o sujeito, ou melhor, o infãns se reconhece como “um”, a partir de um ponto da falta no Outro.
Tempo da construção imaginária da fantasia.
A experiência do complexo de Édipo e do complexo de castração, esta no centro da construção simbólica da fantasia e do sintoma, um enunciado do que cai no recalque.
O significante substituindo o objeto que recalca essa falta que o funda. Resposta frente a castração, estrutura o lugar onde o desejo se aloja.
Estas construções não se fazem sem o elemento terceiro, sem o interditor e normalizador e desnormalizador, sem pai não há experiência do espelho e nem do Édipo, a nodulação fica sem a borromeanidade.
O quarto elo sustenta a nodulação: o complexo de Édipo, fantasia, o Pai, o sintoma. Estes articulam os três registros: real, simbólico e imaginário. Articulam elementos fundamentais, estruturantes do sujeito efeito de linguagem e causado pelo que ali comparece como falta.
Uma análise visa a desconstrução dessa realidade psíquica, da fantasia, da crença no Pai!
Em seus vários tempos o analisante se defronta com essa “realidade” que suporta o desejo e contem seu gozo.
Gozo enigmático que se mostra em sua repetição sintomática com sua fixidez.
Vertente real da fantasia onde não há possibilidade de interpretações. Tempo de interrupções, desistências, tempo de comparecimento da vertente odienta da transferência que se revela em cena.
A transferência tem sua vertente amorosa e odienta, e o ponto de sua constituição é o mesmo. O furo, a falta, o real, que estão no centro da experiência do espelho e do Édipo.
Na experiência do espelho, ali onde o Outro aparece como possuidor daquilo que ele não tem.
No Édipo, diante da confirmação simbólica da experiência do espelho, fica a promessa (para o neurótico) de que poderá vir a conseguir o objeto perdido ou não perderá o objeto perdido. Através da consistência do Outro, da consistência de “Um Pai”, estará a salvo da castração.
Razão do obsessivo estar sempre a busca do objeto perfeito e a histérica sempre servindo aquele que supõe “tê-lo”.
Numa análise ha de chegar a hora que esse Outro construído como toda potencia, cai desse lugar, momento do dessubjetivação. Teremos, na cena da transferência, como uma recusa dessa queda o comparecimento do ódio.
– Odeia-se aquele que possui o que lhe falta e o amara também, por isso ama-se por “ele” ter!
– Odeia-se aquele que oferece sua falta. Sentem-se enganados. Uma tentativa de manter o Outro como consistente, como não castrado! Odeia-se por “ele” não ter!
Na cena da transferência amorosa, temos as interpretações e associações. Temos assim a chamada análise terapêutica.
Na cena da transferência odienta, encontramos as desistências e interrupções . Há um insuportável real que se presentifica. São frequentes as atuações, os deslizamentos cessam, mas é um tempo necessário de uma análise.
Freud, nos alertou sobre este tempo onde a “verdade” só comparece através de um agir, um ato, uma atuação. Lacan precisou este tempo como a vertente real da fantasia. Seu comparecimento em cena sem palavras, sem possibilidades de interpretação. Insistência, sustentada pelo desejo do analista, possibilitará a continuidade de uma análise.
Atravessar a fantasia este atravessamento não se dará sem a queda deste Outro todo saber, assim como a queda desse lugar de objeto onde o sujeito se aloja em sua neurose.
Tempo de desnodulação, de desatamento, de desenlace (conforme Philipe Julian).
A castração ocupa a cena e desnodula a cadeia significante, o nó.
Um sentido novo, um novo olhar se coloca em cena na renodulação dessa cadeia.
Teremos vários e vários exemplos desse acontecimento nas Instituições. As Escolas são palco dos sintomas, portanto, da cena fantástica de cada analisante que ali se inserem. Não são raros os rachas , desistências e interrupções nas Escolas. Inabilidade em suportar este tempo da transferência? Muitas vezes expulsa-se e/ou se expulsam por não suportar!
Atravessar a fantasia exige que se suporte a castração do Outro, queda do “dizer nomeante” de “Um Pai”.
Prescindir de seu falo mas fazendo bom uso dos significantes transmitidos, invenção: do mesmo se faz um dizer novo!
O nome-do-Pai ou os nomes do pai, conecta a vida, fazendo barra ao gozo sem limites do real, ao gozo feminino.
Lacan introduz uma versão diferente de Freud, este acreditou até o fim na consistência mítica do pai da horda, já Lacan nos aponta o gozo feminino, o real inominável e sem limites como contrapondo a esta consistência.
Lacan nos propôs uma reconstrução, uma renodulação.
Um dizer nomeante sustentado pelo (je) eu inconsciente ocupando a função do quarto elo, é a proposta que Phillipe Julian. Numa constribuição que faz no livro “Os três tempos da Lei – no capítulo “A questão do mandamento siderante” – P. 230/234
Como seria isso?
O nó, a cadeia significante, operaria não pelo dizer “nomeante do pai ou seja um significado do Pai” e sim por um “dizer nomeante do analisante, uma re-significação ao significado do pai. Uma renodulação sustentada pelo este novo dizer.
Um “saber aí” operando o não saber :
– “ prescindir do Pai (falo) servindo-se dele”!
Nas fórmulas quânticas da sexuação, o sujeito encontra-se no campo do significante onde temos o lugar do falo simbólico articulado ao real, ao feminino.
Para o neurótico, a exceção é o lugar do Pai, do Pai da Horda, em uma análise o analisante depara-se com a exceção como falta real, fundante do que lhe causa como sujeito desejante.
O “Pai”, além de interditor, “responde”, a pergunta sobre o feminino.
A menina transfere seu amor materno ao pai, pois, supõe que este poderá responder sua pergunta sobre: o que é uma mulher, o que é o feminino?
O menino ama este (pai) que possui o “Saber” sobre o gozo de seu pipi e a pergunta sobre: o que quer uma mulher?
Ambos buscam uma resposta sobre o feminino.
E como analista de sua própria análise, é do lugar da falta, daquilo que esta fora da linguagem que poderá emergir um novo dizer a partir dos significante que lhe foram transmitidos, e não mais um significado dos significantes.
A queda desse Pai Mítico, desse pai da exceção, coloca em cena a exceção do feminino, portanto, a falta real. O não saber! A não relação sexual!
Só poderemos operar com a “dessubjetivação do sujeito suposto saber”, a partir de nossos significantes reiventando e inventando nossa a – borda – gem do feminino!
O Pai dessubjetivado, opera como um Nome, nome de nome de nome, como disse Alain Didier Waill. Exceção que funda um conjunto, uma cadeia, um nó. Se na constituição do sujeito essa cadeia opera pela nomeação suposta ao Pai, no final de uma análise esta nomeação será um novo dizer, prescindindo do Pai mas servindo-se dele!
Referência bibliográfica
FREUD, Sigmund. Moises e Monoteísmo. Rio de Janeiro. Ed. Imago. 1969.
FREUD, Sigmund . Seminário 10. “O pequeno Hans” e o Homem dos Ratos”. Rio de Janeiro. Ed. Imago. 1967.
LACAN, Jacques. Seminário 5. Formações do Inconsciente. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 1999.
______________. Seminário 20 – O mais …ainda. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 1996.
______________. Seminário 23 – O Sinthoma. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 2007.
WEILL- DIDIER, Alain. Fim De Uma Analise e Finalidade Da Psicanalise. Rio de Janeiro. Ed. Zahar. 1967.