Abílio Luiz Canelha Ribeiro Alves e Luciana Abi-Chahin Saad
Delegados da ELP-RJ junto a Articulação das Entidades Psicanalíticas Brasileiras – Ano 2009
A psicanálise é leiga, é o que nos transmite Freud. É leiga sim, mas não ignorante: reconhece que há um saber em jogo nas malhas do discurso – e por isto mesmo não está isenta da submissão a certas leis. Mas quais?
Já na sua Traumdeutung, Freud observava que a relação entre o inconsciente e o discurso obedece a leis específicas que não nos são dadas de saída. Estas leis apontam para o fato de que todo discurso porta uma mensagem (um certo “saber”) à espera de uma decifração: interpretação. A interpretação ratifica o fato de que toda palavra advém de um saber próprio. Mas próprio de quem? O saber não está todo do lado do analista; a este caberá estar advertido das leis do inconsciente. Se há mensagem, há enigma, supondo aí a existência de um sujeito desejante a interpelar um outro lugar – o inconsciente, enquanto não-saber. Será através da báscula do não-saber (que não é paixão pela ignorância) que advirá a associação livre, a regra fundamental da psicanálise.
Segundo a etimologia, a palavra “laico” (leigo) vem de Laos, o povo: cada um a sua maneira; contrariando o Klerikos: o saber prévio daquele que sabe ler e escrever. Freud conclui que aquele que foi analisado e conquistou um saber sobre seu inconsciente não é mais um leigo no domínio da psicanálise. Freud se distancia claramente da ilusão de um conhecimento prévio, cumulativo e totalizante em relação à formação do psicanalista. Ele subverte o Klerikos, na medida em que sustenta que um analista nasce a partir de sua própria experiência, e subordina a psicanálise ao desejo de cada psicanalista de fundar, a cada instante, a possibilidade de uma nova formação do inconsciente para aquele que a ele se dirige.
O saber construído no “só-depois” é o que inaugura uma temporalidade, fundando um “antes” que, então, já passou; e passa-se para outra coisa. As diversas retificações subjetivas oferecem a possibilidade de um novo posicionamento do sujeito que, num momento inesperado, vai poder dar o salto que lhe permite “entrar” na lógica do inconsciente que o rege. Nesse momento, ele “aprende” o que sempre soube no seu saber inconsciente.
É isto que uma verdadeira psicanálise produz: o abandono da presunção de se apropriar da técnica sem passar pela experiência. Um analista estará para sempre marcado pelas vicissitudes da sua relação transferencial com o inconsciente. Diferentemente do médico ou do psicólogo que coloca o sintoma apenas do lado do paciente, um analista se interroga como sintoma em sua própria experiência: ponto tensional, virulento, que não deixará de marcar toda a sua prática, seja ela de que nível for, inclusive a relação com outros psicanalistas. Nesse sentido, há, na metapsicologia freudiana, o rastro de um pensamento ético que, de certa maneira, alinhava os desdobramentos da transferência.