Teresa Palazzo Nazar
Introdução
Ao pesquisar sobre memória e transmissão em psicanálise deparei-me, por várias vezes, com referências à problemática da função do nome próprio e das nominações possíveis numa comunidade de psicanalistas.
Todo nome tem, pelo menos, duas funções: conotar e denotar.
Conotar refere-se ao que se nota entre duas ou mais coisas, designando um ou mais seres e fazendo aparecer suas propriedades e características. São conotativos nomes que indicam e designam um objeto (ou alguém) com seu atributo. Também se usa conotar quando se quer privilegiar ideias e associações a experiências individuais ou coletivas, o conotativo sendo, pois, o atributo.
Já denotar é revelar, fazer notar, ver, manifestar, indicar, mostrar, simbolizar, exprimir, significar por meio de notas ou sinais. Denotar pode ser exemplificado no chamado de um nome qualquer, num determinado local. Aquele que escuta seu nome se sente chamado, isto lhe concerne, ainda que possam ter outros com o mesmo nome no local. O sujeito vê-se denominado.
Entendamos, então, que um nome próprio carreia as duas funções, isto é, ao mesmo tempo em que conota a existência, denota a singularidade.
Dito isto, vou seguir numa elaboração sobre o nome próprio, articulando-o à pesquisa sobre memória em psicanálise, sendo esta o que efetivamente me interessa. Partirei da afirmação de Lacan sobre o nome próprio como um significante puro, cuja enunciação é igual ao seu enunciado, não tendo nenhuma significação ou sentido. Entretanto, todo nome próprio guarda a “memória” de afeto, de investimento fantasístico dos que nomeiam. Portanto, passa-se à existência no mundo a partir dessa marca primeira do nome.
1. De onde vêm os nomes
A filosofia e a psicanálise sempre tiveram interesse nessa questão nominativa.
Para um filósofo como Bertrand Russel, por exemplo, os nomes não podem ser tomados apenas como referência ou etiqueta. Ao nomear um objeto, sem nos preocuparmos com sua descrição, fazemos isso a partir dos dados imediatos dos nossos sentidos, por exemplo, quando dizemos isso e aquilo.
Isso mostra que há a necessidade de se criar identidade para as coisas, mas de tal modo que não se construam dúvidas imaginárias sobre elas. Para isso, os nomes demonstrativos (isto e aquilo) são uma garantia de que, numa proposição de identidade entre dois nomes distintos, furta-se a dúvida. As coisas existem porque são nomeadas distintamente.
Gostaria de levar a questão da teorização sobre o nome próprio um pouco além, para um lugar mais clínico, onde se possa pensar a falta a ser que se mostra, no momento mesmo em que se nomeia alguém. Assim, nomear funda o campo da fala e da linguagem, onde um gozo se afirma no que se diz. Pois, ao nomear, dá-se existência não apenas ao nomeado, mas ao nomeante, pelo fato de perceber, em seu pensamento lógico, a distinção das coisas em relação à sua própria existência.
Assim, o penso; logo sou de Descartes é uma afirmação de identidade, antes de pensarmos o que Freud nomeará como as identificações simbólicas. Mas essas não ocorrem senão por um encontro contingente, sinonímia de UNS nodulados num nome próprio e no real da posição subjetiva na qual ele se inscreve. Entretanto, como nos previne Milner:
“a verdade que é encontro real e só se atesta no instante de um efeito tem o mesmo nome que a verdade simbólica, fixada em tábuas e coagida pelo rigor no manejo das letras, e a verdade imaginária, fundada numa adequação estável entre dois seres – coisa e nome, objeto e ideia, etc.” (Milner, 2006, p.44)
o que nos faz lembrar que nada desse encontro eventual pode perpetuar ou mesmo garantir o efeito desse instante e sua contingência; sinonímia precária e incerta posto que somente às vezes acontece de podermos enodar o ponto onde os três anéis da estrutura RSI se cruzam.
Então, a primeira pergunta é relativa à questão da identidade. Isto é, para que algo seja é preciso designar com um nome próprio. Mas será que um nome próprio é, de fato, um nome próprio?
Essa questão foi levantada por alguns filósofos, dois deles privilegio aqui: Bertrand Russel e Saul Kripke.
Sem entrar nas discussões levantadas por eles, saliento que o segundo dificulta mais ainda a compreensão do problema dizendo que o nome próprio, como foi estudado por Russel não responde à questão do nome, tomado no sentido comum.
Lacan, leitor atento de lógicos e filósofos, antecipou algumas questões levantadas por Kripke (em Naming and Necessity, 1970), quando de seu retorno ao estudo da obra freudiana, a propósito das três identificações.
Pensar a questão das identificações implica lembrar que todo nome é o traço do Outro, sem rastro primeiramente inscrito pela via pulsional, como Voz. Identificar-se ao nome é alienar-se, deixar-se existir no lugar onde se é chamado, sendo este o campo da fala e da linguagem, lugar das trocas simbólicas.
Lacan chamou de campo do Outro o que, muito antes da psicanálise existir, apresentava-se como lugar de produção de saber. O homem produziu, desde a primeira percepção de ser estranho à natureza e por estar só diante desta e de todos os outros seres, empreendeu uma busca de saber sobre sua origem.
A primeira civilização ocidental construiu, com a mitologia, os pilares simbólicos sobre o real do impossível de dizer sobre o surgimento do homem. Desse modo, o marco civilizatório dos gregos da Antiguidade, construído com o recurso de sua mitologia e da Poética, permitiu-lhes a construção de uma identidade, sustentada no traço (marco) identificatório da nominação ser grego.
A identidade do homem grego precisou ser designada a partir dos nomes dos deuses, inventados como borda para o vazio. Nasce a arquitetura, primeira manifestação civilizada da arte, como metáfora da própria experiência do homem. O templo será, então, o lugar para estar em contato com o divino. A mitologia será função nomeante para o homem daquela primeira civilização.
Então, podemos entender que algo só é, só existe, pela designação de um nome que, em sendo próprio (ex: grego) torna-se comum, a partir de sua repetição. Grego é, então, o Einziger Zug, o traço unário repetido na série de traços que, por identificação ao assujeitamento a uma certa mitologia lhe dá uma identidade: homem grego.
Posso, então, dizer que o traço unário é o que surge do objeto por ele designado e dele retém algo – sua unicidade.
Quando nos perguntamos o que é o nome próprio?, a resposta é o significante em estado puro, como foi pensado por Lacan. Este criticou a teoria de Russel sobre o nome próprio porque, para ele, todo o esforço dos lógicos/filósofos para teorizar essa questão esbarrava na relação do sujeito com o que chamou de letra. A letra, segundo Lacan, pertence ao registro do real, ela reenvia a outros significantes, gerando efeitos de sentido ou significação.
2. O que é a letra, para a psicanálise?
Em sua primeira teorização, Lacan dirá ser a letra o suporte material do significante, algo entre este e o signo. A letra falta ao enunciado do discurso, pois entre enunciado e enunciação ela segue sem se dizer no dito. Chamo de letra o que nomeio de memória original, memória no corpo, dos afetos enigmáticos da primeira infância, antes do advento do sujeito na fala e na linguagem. Ela é feita de sons, vocalizações apresentadas primeiro pelo Outro e repetidas pelo infans.
Como significante puro, a letra fixa a referência, designa rigidamente. Só pode ser tocada (sem ser dita) por seu substituto. Daí poder-se entender que, ao enunciar a palavra grego, imediatamente sabe-se qual referido pode ser assim chamado. Grego é, ao mesmo tempo, nome próprio e comum.
Portanto, todo nome próprio advém dos traços distintivos de sons percebidos. O que interessa não é o sentido atribuído ao objeto nomeado, mas a dimensão significante veiculada na diferença sonora, singularizando-o num nome próprio. Entretanto, é preciso dizer que ao mesmo tempo se esbarra no fato de as diferenças sonoras serem próprias da linguagem. Daí a equivocação da fala.
Lacan afirma que a fala é uma escrita vocalizada e se torna escrita na sequência do aprendizado, na fonetização do traço. É esta a base para os ideogramas.
Pode-se dizer, então, que o nome é um ideograma fonetizado, daí sua importância para a teorização lacaniana da letra. Sua afinidade é pela escrita e não pelo som; não se traduz, translitera-se de uma língua à outra. Conservando a estrutura sonora do que o compõe como letra única para cada sujeito, o nome é marca; é aquilo que Lacan chamou de “designação direta do significante sobre o objeto” (Lacan, 1961).
Assim, o nome próprio é uma marca/traço do real no corpo, na medida em que, pela repetição do nomeante invocando o nomeado, o nome acaba por ser incorporado. Seu valor de letra não cessa de se escrever na repetição designativa do ser do sujeito, o qual é sempre evanescente. Pois não é como indivíduo que se recebe o nome e sim como objeto da fantasia inconsciente de quem nomina. Ao nominar um bebê, nada se sabe sobre quem, para além do intencional, de fato nomeia. Essa distinção entre nominação e nomeação é fundamental para o entendimento das nominações e nomeações numa comunidade de psicanalistas.
A nominação enigmática recebida no nascimento ecoa na experiência de análise e deve aí ser decifrada. Entretanto, a imagem refletida no eu que se reconhece num nome é, também, o fantasma a ser atravessado, levando o sujeito da posição de encenar o desconhecido da própria cena (fantasmática) à condição de leitor de seu texto e, através desse processo, escrever seu nome.
Daí podemos dizer que todo nome próprio é o que vem recobrir o buraco entre o eu que se afirma como indivíduo e o sujeito que sofre afânise na constituição do eu. Esse recobrimento dará uma falsa aparência de sutura.
3. “Eu te peço que me recuses o que te ofereço, porque não é isso” (Lacan, 2012, p.83)
Tudo começa quando alguém, às voltas com o que não vai bem em sua vida, procura um psicanalista para restabelecer sua crença numa felicidade a ser alcançada na medida em que encontre resposta para seu sofrimento.
Entretanto, a análise só começa quando as certezas vacilam e o psicanalista, recusando o enunciado da queixa, leva o analisando a extrair dela uma demanda. Isso quer dizer que o psicanalista não sutura com respostas rápidas o discurso que lhe chega. O que ele faz é criar uma hiância, um buraco nos ditos do analisando, permitindo-lhe perceber quão grande é sua debilidade mental, isto é, o quanto está mal instalado em seu discurso.
É verdade que os sintomas fazem vacilar as frágeis certezas sobre o ser do sujeito, até porque só é possível ser sobre o fundo de um não-ser. Mas como fazer alguém desistir de querer dar sentido a tudo e tudo querer compreender?
Nesse ponto chegamos à problemática da dúvida própria a todo sujeito em relação ao nome. Porque ele sabe e não sabe quem ele é no nome que carrega, já que sua filiação o inclui numa linhagem na qual lhe é significado algo recalcado no sentido que lhe é dado, no ato de nominação. Algo lhe é transmitido em silêncio cujo valor, simbólico e real, não se reduz ao imaginário do que lhe é dito sobre a origem do nome. Esse elemento enigmático, estranho aos ditos constitutivos do mito individual do qual os escrúpulos de consciência servem bem para uma elaboração sintomática construída como defesa, interroga o sujeito sobre o que lhe faria eco no inconsciente.
Ora, aqui é necessário recorrer aos dois mitos fundamentais citados tanto por Freud quanto por Lacan: Édipo e Hamlet. O primeiro, datado dos primórdios da civilização ocidental e de cujo enredo Freud valeu-se para exemplificar sua elaboração sobre o inconsciente – a partir do Complexo de Édipo e de seu herdeiro, o Supereu – se repete, séculos depois, na escrita de outro poeta, no drama de Hamlet.
O que nos interessa nessa história da transmissão operada pelo recurso à palavra, não qualquer uma, mas a palavra poética, é da ordem do real. Algo, no discurso possível, carreia a marca da morte, o rastro do que fica por se dizer, esquecido naquilo que se diz, na esperança de fazer laço, mesmo sabendo ser esse o fruto da consistência, do sentido do imaginário.
Lalíngua, a palavra forjada por Lacan como lalangue, é a encarnação do simbólico. Ela toca o real sem dizê-lo, quando se faz poesia, ou quando, por uma feliz contingência, o “seu real” encontra RSI, os três registros que se nodulam em torno do objeto a, o objeto metonímico da Coisa perdida. É ela que se pulveriza nos diversos sentidos, imaginarizada nas diversas consistências que se encadeiam nas associações.
“Coisa e nome, som e significação, sintaxe e semântica, sentido e forma, sempre acabamos emparelhando duas existências e descrevendo a ligação delas […]. Fazemos da própria linguagem o cimento fundamental de toda associação entre os seres falantes.” (Milner, 2006)
As palavras de Milner vêm de encontro ao que nos diz Lacan quando soletra a tragédia de Édipo e o drama de Hamlet como o que é da relação de todo sujeito com seu desejo e a impossibilidade da linguagem em dizê-lo.
Se o nome de Édipo traz seu destino escrito como aquele que manca, aquele que matará seu pai sem o saber, por horror à consciência de vir a fazê-lo, Hamlet é aquele que escuta do pai – este se sabe morto segundo o voto de seu irmão, Claudius. O crime edipiano é sabido pelo pai que o revela ao sujeito e este, além de portar o mesmo nome do rei assassinado, Hamlet, reconhece nas palavras do rei seu próprio voto mortífero contra o genitor.
“Nosso Hamlet, ao longo de toda a peça, procrastina. Trata-se de saber o que querem dizer os diversos adiamentos que ele vai fazer do ato cada vez que se lhe apresenta a ocasião, e o que vai ser determinante no fim, no fato de que esse ato a cometer, ele vai franqueá-lo […]. O ato que se propõe a ele não tem nada a ver, no fim das contas, com o ato edipiano em revolta contra o pai. O conflito com o pai, no sentido em que ele é, no psiquismo criador, não é o ato de Édipo na medida em que o ato de Édipo sustenta a vida de Édipo e que ele o torna este herói que ele é antes de sua queda, na medida em que ele nada sabe, que faz o Édipo concluir no dramático. Hamlet, ele, sabe que é culpado de ser, para ele é insuportável ser. Antes de todo o início do drama de Hamlet, Hamlet conhece o crime de existir e é a partir desse começo que ele precisa escolher e para ele o problema de existir a partir desse começo se coloca nos termos que são os seus: ou seja, o ‘to be, or not to be’, que é algo que o engaja irremediavelmente no ser como ele articula tão bem.” (Lacan, 1959)
Hamlet é um nome que se faz enigma para quem o porta e, de certo modo, é esse enigma que todo nome produz, a questão de todo sujeito. Isso quer dizer que o nome próprio de cada um representa o preço não pago pela condição de existir numa linhagem e aí ocupar um lugar. É bem possível dizer que toda nominação é uma espécie de armadilha na qual o sujeito é capturado pelas malhas de uma sobredeterminação de desejo que o antecedeu. Hamlet é a estrutura onde o desejo toma seu lugar pelo viés de um imperativo, o qual comparece na Voz de um fantasma, no seu desejo pela mãe e no próprio desejo da mãe.
Todo nome tem como matéria, seja ele nome próprio ou comum, o peso do equívoco provocado pela nodulação operada entre o real de lalangue, o imaginário de linguagem e o simbólico da língua. Mas quando se trata de nome próprio, a questão é mais complexa porque a tudo isso se acrescenta uma perda tal, que o desejo que sobredetermina o desejo do sujeito lhe é inacessível.
Os rastros desse desejo marcam o real do corpo daquele que ainda não adveio na fala e na linguagem. Esses rastros, memória original, serão o suporte material para o enxame de significantes que farão série – serão, também, o material dos sonhos e dos afetos enigmáticos.
Será por isso que o jovem Hamlet, cujo nome o fixa na servidão de uma demanda de ser conforme à imagem recebida do Outro (“remember me”, diz o fantasma do pai), adiará seu ato, sem poder encontrar o lugar da dívida não paga por seu pai, aquele que foi surpreendido “na flor de seus pecados”?
Hamlet só pode retificar o desejo, o que tornou seu ato possível ao fim da peça e, ferido de morte, onde a perda da vida se colocou em equivalência àquilo que faltou ao início, isto é, a castração do pai… um pai inconformado com seu destino. Ao final, aquele que recebeu uma nominação enigmática e com a qual se viu submetido até o último instante, pôde alcançar sua pequena margem de liberdade, cara a cara com a morte, deixando seu legado à disposição dos Fortimbrás, sempre prontos a gozar da herança…
Chegamos à questão fundamental do que se recebe, como voto, desde a nominação primeira, e o que é possível dela extrair como nomeação de desejo, isto é, a liberdade de aceitar o legado, bem se servindo das insígnias recebidas.
4. Nominação ou nomeação?
Realidade, seu nome é fantasia! E já que se trata de sonhar, de fazer do sintoma da fala algo que traga um pouco de luz à questão colocada no início deste texto, vamos discorrer sobre o que se passa numa comunidade de psicanalistas quando se apresenta o problema das nominações (e nomeações).
O que é um grupo de psicanalistas senão uma classe simbólica agrupada pelo significante que a nomeia? Significante-mestre, o nome desse agrupamento interroga a cada um a enunciação de um nome próprio: “Che Vuoi?”. Que queres tu, que demandas “ser” psicanalista antes de te interrogares de onde vens e com o que te apresentas?
Essa Voz que ecoa no silêncio de cada nominação de um novo membro remete à análise de cada um e, consequentemente, às vias pelas quais o desejo desse sujeito trilhou sua demanda de vir a pertencer a determinado agrupamento de psicanalistas.
Claro que essa Voz é antes de tudo um sonho, um ponto interno à cadeia de nomes pelos quais o sujeito construiu semblantes diversos, e com os quais se mostra, sem saber o que aí se conta.
Uma escola de psicanálise se constrói em nome da multiplicidade de desejos que, a sustentá-la na singularidade de cada um, inventa sua lalangue, isto é, produz um estilo de dizer que se repete como memória viva, na dispersão causada por cada Um que dá o passo que o separa do agrupamento. Sim, porque é preciso entender que não há psicanalista “em comunidade”.
Então, há um “eu minto” no assentimento do grupo ao nominar cada novo membro, pois, com um nome próprio sob o qual todos se reconhecem e se identificam fica recalcada a voz do “que queres?”.
Seria necessário entender que a escrita de um novo nome numa série a fazer escola invoca, de cada um, a cunhagem do novo, fora da nominação recebida. Bem diferente dos enunciados que se reproduzem aos borbotões nos semblantes com os quais um grupo se mantém coeso, a irrupção de mais Um nome, extraído da experiência de escola (análise pessoal, supervisão e trabalho com os pares) afirma, retroativamente, a letra do nome sob o qual um desejo se escreveu.
Claro, nenhuma Voz seria capaz de nomear um sujeito dizendo-lhe “Tu és…” Se pudéssemos cogitar de algum eco de verdade no inconsciente de cada um, ela só poderia dizer: “não cedas em teu desejo, seja ele qual for”.
Assim, um nome só pode emergir da dispersão e na pressa de concluir que a instância que o assemelha e mistura a todos os outros nomes da série é, também, a que o disjunta.
Só uma Voz pode ser escutada por aquele que tem a coragem de dar o passo para além das fronteiras da comunidade. Voz do desejo, ela não faz semblante, não se representa em nenhum sentido.
Aquele que diz seu nome denota a marca de seu desejo; autoriza-se a dar uma interpretação ao sonho de uma vida psicanalisada e, portanto, não cessa de pagar a dívida da nominação recebida outrora, com o trabalho continuado de tecer os fios do que lhe restou da experiência.
Valho-me das palavras de Milner, para terminar:
“Do fato de a homonímia ser o Real de alíngua (lalangue) não resulta que não seja preciso inscrever o que quer que seja em alíngua; do fato de todo pensamento ser, uma vez que nomeia, equívoco não resulta que não seja preciso pensar; do fato de todo nome ser multiplamente ambíguo não resulta que não seja preciso nomear; do fato de a univocidade ser o impossível não resulta que ela não deva comandar um desejo. É preciso falar, e pensar, e nomear, e singularmente é preciso falar, pensar, nomear a homonímica – mesmo arriscando concentrá-la com um único significante, que é um nome próprio: Lacan.” (Milner, 2006, p. 116)
Referências
LACAN, J. “O desejo e sua interpretação”. Seminário inédito, aula de 04 de março de 1959.
______. “… Ou pior”, in Outros escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 2012.
______. “A identificação”. Seminário inédito, aula de 20 de dezembro de 1961.
MILNER, Jean Claude. Os nomes indistintos. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.