Escola Lacaniana

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Adolescência e loucura

Sérgio Cwaigman Prestes[1]

 

Todos concordam, penso eu, que a adolescência é um tempo difícil de ser vivido que poderíamos situar entre o despertar dos sonhos da infância e o exílio proporcionado pelo mal-entendido da linguagem e pelo real do sexo. Na infância, a princípio, o gozo do corpo e os significantes advindos da ordem familiar se encontram conjugados. Passada a infância, esta comunhão se desfaz e o sujeito encontra-se sozinho no exílio da puberdade e se dá conta de que não há relação, não há garantia, não há lei que diga o que fazer com esse gozo disjunto do Outro que faz do seu corpo algo estranho para si mesmo. A partir daí, entra em jogo como cada um vai se virar com esse gozo que parece escapar do corpo e que o sujeito não consegue dizer.

Trata-se de algo da ordem de um excesso de sensações, de uma tensão que surge justamente nesta época de transição, caracterizada pelo fato de que os adolescentes não possuem palavras suficientes que possam traduzir o que lhes acontece no corpo ou em seus pensamentos, levando-os a se distanciar do seu meio social e, principalmente, da autoridade dos pais. Eles querem não apenas se afastar dos pais, mas da palavra deles e é, justamente, neste momento que podem surgir episódios de violência que ás vezes se traduz num ato.

Lacan, a respeito do ato, no Seminário sobre a Angústia, faz uma diferença entre a passagem ao ato, que é uma retirada da cena do mundo onde o sujeito se apaga, e o acting out, que se organiza, que se sustenta, e talvez demanda que se possa dizer alguma coisa ao sujeito adolescente.

A mãe de um adolescente, que atendo há bem pouco tempo, solicita uma sessão em caráter de urgência para falar de uma suposta tentativa de suicídio de seu filho após uma discussão violenta com o pai. Ela relata que a discussão girava em torno dos limites da sexualidade do filho dentro de casa. Um tema, até certo ponto, bem comum nos dias de hoje. Pai e filho discutem, mas acabam chegando num acordo em torno do dia que ele poderia dormir com a namorada em casa porque até então ele não podia dormir dia nenhum. No dia seguinte o pai insiste em retomar a conversa querendo rever o acordo firmado no dia anterior. O filho não agüenta, porque o pai, nas palavras dele, sempre faz isto, nunca é o que ele diz que é, e ele tem uma explosão de raiva, tranca-se em seu quarto e começa a socar, violentamente, a parede ao ponto de fraturar a mão. Como o filho não abria a porta, os pais imaginaram que ele poderia se jogar da janela, já que ele se debatia e gritava muito.

A mãe diz que a possibilidade do suicídio já estava em sua cabeça, antes mesmo do episódio no quarto, após o filho ter publicado na internet um “post” que, segundo a sua interpretação, fazia alusão à morte.

Trago este pequeno fragmento clínico para lançar a seguinte pergunta: o que levaria o adolescente, num dado momento, a se deixar atrair por um ato, como se ele fosse mais autêntico, mais verdadeiro do que as próprias palavras?

O adolescente, em sua travessia, experimenta intensamente o sem sentido da vida, o que vem a desencadear uma série desenfreada de sensações e afetos tão intenso quanto contraditórios, assim como a tentação da morte pensada, imaginada ou fantasiada.  Isso se dá porque o adolescente está, em sua vida, em um tempo de corte com seu meio familiar, um tempo de separação da criança ideal que ele foi para os seus pais, separação que traz muitos sofrimentos e incerteza identificatória quando ele se vê obrigado a tomar posição na partilha dos sexos. A ausência de uma resposta acabada e conclusiva sobre o ser sexuado no simbólico o coloca à prova em relação ao real. Isso toma uma dimensão angustiante, dando lugar a uma espécie de crise do desejo que acaba, muitas vezes, trazendo como conseqüência um crescimento da incidência da pulsão de morte.

São momentos delicados de ruptura, de contradição, de silêncio onde a infância, a adolescência e a loucura se tocam e se margeiam ao ponto de conduzirem o sujeito, em alguns casos mais graves, a certas rupturas do laço social.

No caso clínico a tentativa de suicídio diz respeito a um fantasma da mãe e o acting out produzido pelo filho chama a atenção, não apenas para a confusão pulsional que se apossa de seu corpo, como, também, para a queda do ideal paterno, que é bem comum neste tempo da vida, onde o adolescente se depara com a castração do Outro, deixando de acreditar no pai da infância.

Os pais, que até então pareciam tão consistentes, deixam de ser, não servindo nem como modelo, nem como referência. O pai não é mais aquele que tudo sabe, a mãe já não é a mulher mais bela e o que diziam sobre como fazer com a vida parece não ter mais nenhum sentido. Para evitar, então, a inevitável degradação da autoridade parental, alguns pais passam a tomar atitudes muito rígidas ou muito permissivas numa tentativa desesperada e, obviamente, mal sucedida de recuperar a influência junto ao filho.

É o caso do pai deste adolescente que tenta adotar, a princípio, uma postura bastante rígida de controle da sexualidade do filho numa tentativa de resgatar a influência perdida. O pai não suporta ver a postura amorosa do filho em relação à namorada, achando que ele passa tempo demais cuidando dela, contrariando o seu ideal de virilidade. Ele quer proibir totalmente a namorada de dormir em casa. Não aceita a intimidade do filho com a namorada. Quer a porta sempre aberta, como a dele próprio.

A adolescência, então, é o momento em que o sujeito se vê confrontado com a possibilidade do encontro com o Outro sexo. Esse encontro com o parceiro sexual vai se dar segundo o modo como a castração foi simbolizada e validada, que no caso do homem se coloca pelo uso que se pôde fazer da função fálica. Para entrar na dialética fálica, o menino tem que se deparar com o fato de que “não tem” aquilo que   supostamente “tem”. Assumir uma posição viril implica em abrir mão do narcisismo do órgão. O pênis faz semblante do falo que no fundo é mais ausência do que presença.

O que está em jogo, portanto, na lógica masculina da sexuação é o falo como objeto perdido que se visa recuperar. Lacan mostra, aí, a importância da transmissão paterna do semblante fálico. É o pai que desvela para o sujeito a impossibilidade de ter o falo de outro modo senão pela falta, ao mesmo tempo em que se instaura a possibilidade de se utilizar das insígnias fálicas como semblante. Se o pai falha ao transmitir a dimensão do semblante, no qual o falo se inscreve, o sujeito fica preso na crença de que é possível ter o falo, quando, na realidade, ninguém o tem.

O não há relação sexual significa que, para todo sujeito, pelo fato de ser tomado pela linguagem, não há no inconsciente nada que diga a um homem como se relacionar com uma mulher, e a uma mulher como se relacionar com um homem. O que se espera de um pai é que ele possa transmitir essa falha no saber, necessária para que o jovem possa buscar seus próprios recursos para lidar com esse encontro impossível. A exigência de separação da autoridade paterna, apesar de dolorosa, é necessária para o sujeito poder lidar com as contingências das relações amorosas durante o encontro sexual. É justamente a possibilidade de elaborar a falta do Outro que vai guiar o adolescente no encontro com o real sexual.

No entanto, em alguns casos, esta possibilidade de elaboração da castração do Outro não se apresenta de maneira tão evidente, dada a dificuldade dos pais em fazer o luto em relação à satisfação que a criança trazia ao narcisismo deles e aí aparece do lado do filho adolescente a possibilidade da passagem ao ato ou do acting out, como modos de saída do impasse na relação com o Outro, dado o impossível de suportar.  Elas são marcadas, fundamentalmente, pela recusa de passar pela palavra e pelos semblantes que elas denunciam.

O acting out, para este rapaz, foi uma tentativa de sair do impasse na relação com o Outro dado o descrédito da autoridade paterna. Nem tanto pelo fato do pai não trabalhar a muito tempo e a família ser sustentada pelo avô materno, mas por não fazer da sua mulher, mãe dos seus filhos, a causa de seu desejo. Não é a toa que este pai não queria a porta do quarto do filho fechada já que a dele permanecia sempre aberta, franqueada a livre circulação dos filhos, devido à falta de intimidade do casal.

Saber se arranjar, minimamente, com o gozo feminino, sustentando um lugar de identificação possível, dá direito ao pai de ganhar o amor e o respeito de um filho.  Na ausência disso, negando o encontro com a Mulher, a queda da função paterna precipita o sujeito em uma perturbação tal que ele pode produzir um acting out ou, no pior dos casos, querer sair da cena do mundo, rompendo totalmente com o Outro através de uma passagem ao ato.

Caberia, então, ao psicanalista oferecer ao sujeito a possibilidade de falar deste ato sem reduzi-lo a uma perturbação do comportamento, ajudando-o a encontrar um lugar de endereçamento para o seu sofrimento em relação a esse real insuportável, um lugar onde o adolescente possa, de fato, construir seu próprio caminho sem a interferência maciça dos pais.

 

BIBLIOGRAFIA:

  1. FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago Editora, Vol.VII, 1980.
  2. LACAN, J. O seminário, livro10: a angústia (1962-63). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
  3. O seminário, livro 22: R.S.I (1974-75). Seminário inédito, Mimeo.

 

[1] Psicanalista, Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise – RJ e Doutor em Psicologia pelo IP/UFRJ.