Escola Lacaniana

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Sobre o filme “Só Depois”

A história do psiquiatra e psicanalista José Nazar se confunde e se mistura com a história da psicanálise no Brasil.

O filme “Só Depois” (link na bio), roteirizado, entre outros, pela convidada do Conversa de Analista da próxima segunda-feira, 19 de outubro, Renata Amato, dirigido por Pedro Sodré e produzido por Teresa Nazar, marca a comemoração dos 32 anos de fundação da Escola Lacaniana de Psicanálise-RJ e dos 45 anos percorridos por José Nazar na psicanálise.

???? O FILME ????
Uma corrida de cavalos em câmera lenta abre a cena.

Um homem maduro caminha junto ao meio-fio, perdido, supostamente sem saber de si mesmo. Ou seria apenas um sonho?

Ou ainda uma metáfora que parte do ensino freudiano de que o Eu não é senhor em sua própria casa, o que em linguagem lacaniana equivale a dizer que é no lugar do Outro que se desenrola a cadeia significante que nos determina?

A nossa história a gente inventa. Nas cenas do filme, a ficção do homem que perde a memória — tal qual é a história de cada um — puxa o fio da rememoração.

Os cavalos vão e voltam à cena, marcando as passagens.

O que simbolizam aqueles cavalos? A vida? O tempo? Ou eles remetem à cadeia significante, aquilo que “constitui o desenho e a trama do tecido psíquico do sujeito falante” (Joël Dor), como sugeriu @nathaliafigueira?

O homem esquecido de si mesmo, ouve a sua própria história contada pelos outros.

É assim mesmo, na melhor das hipóteses somos contados pelo Outro. E a nossa história é feita de opacas memórias, algumas recordações e o que nos contam. Tudo envolto em doses cavalares (olha os cavalos aí de novo!) de imaginário, devidamente encoberto pela fantasia.

E tudo volta, contado pelo filho, pela companheira de vida e de psicanálise, por seus analisandos e amigos de jornada.

A fala do filho traz o menino José diante da cena da mãe, que morre sobre o prato de comida.

José lembra da mãe no caixão, do grito de dor, do pranto. O luto e a culpa que não cessavam de não passar.

O homem José deita no divã e se duplica e, como ocorre numa análise, se escuta.

Reconta quando, em análise, perdoou a mãe por morrer e deixá-lo tão cedo: “…uma teia…”, “matei-a”.

Foi um significante que redimiu José de sua imensa culpa.

Lacan nos mostrou que “o que importa numa análise é a sonoridade dos significantes”, enuncia o protagonista, José Nazar, lembrando outras subversões que o francês Jacques Lacan trouxe como avanços à teoria freudiana.

“Na minha própria análise pude aprender que quem fala, quem trabalha, quem diz alguma coisa no cenário psicanalítico é o paciente”, sublinha Nazar. Ao psicanalista cabe o lugar da escuta que incide como corte na fala do analisando de quando em quando, possibilitando que dali surja algo novo: uma re-significação.

Nas linhas e entrelinhas das cenas, conta-se muito mais do que a história desse homem. Conta-se a chegada do barulhento “vendaval” Lacan ao Brasil, com tudo o que ele trouxe de avanço à psicanálise.

Dentre os muitos depoimentos e recortes, destaco o modo Manoel de Barros com que a psicanalista Renata Conde Vescovi resumiu o psicanalista José Nazar em sua função de escuta: “um bom catador das sutilezas da fala.”

“A vida é apenas isto: um encadeamento de acasos bons e maus, encadeamento sem lógica, nem razão”, diz a poeta Florbela Espanca.

O artista precede o psicanalista, disse Freud. E assim como a poeta, José Nazar fecha a cena com uma metáfora com a qual se pode traduzir os cavalos que correm na tela: “A vida é uma sucessão de traumas, não dá para antever nada.”

A vida é Real, José, puro Real!