Escola Lacaniana

(21) 2294-9336

Da perda de si ao apagamento do outro

Ana Kiffer

 

écrire serait à l’éxtérieure de soi

dans une confusion des temps…

  1. Duras

 

Esse texto nasce questionando a sua própria existência. A sua exigência. Isso porque venho acreditando que precisamos começar a expandir os nossos modos de escrita. Fazendo-a circular ou deixando-a contaminar-se por situações de fala. De proposições. De jogos. De provocações. De potência lúdica ou poética que faça o conceito adentrar a carne do ouvinte. Antes que seu intelecto reaja. Neutralizando-o. A língua é fascista, como disse Barthes. E a linguagem é precária. Tem de se quebrar esses ossos. Essa linearidade dura. Essa reflexão retilínea. Esse texto fechado sobre si. Para ser lido em silêncio. O que nem sempre coaduna com as motivações que queremos suscitar. Foi o meu caso no percurso e na incursão nessa Jornada da Escola Lacaniana de Psicanálise – RJ sobre o Inumano. Agradeço aqui a oportunidade de ter podido ali, nos escassos quinze minutos simplesmente falar. De improviso. E peito aberto. E de tentar provocar um debate que me parecia oportuno. Se tivesse como escrever as perguntas que me foram feitas. Se essa memória não falhasse tanto. Se tivesse como … este texto aqui existiria, por fim.

Diante dessa impossibilidade vou fazer recuos. Desvios. E notas. É o que temos. Por ora.

 

Recuo 1:

Recebo um telefonema no meu celular da atenciosa e simpática mediadora da mesa. Ela esboça preocupação pelo fato de eu não ter nenhum texto. Eu que até ali sentia-me tranquila, porque em nenhum momento lembrava-me de que deveria entregar um texto, comecei a desconfiar do que acontecia. Continuei sem texto. Sai de casa embrulhada em notas. Amassadas. E comecei a pensar sobre a minha desobediência – chegar até aqui sem um texto. Agora mesmo. Notem! Isso aqui não é um texto. Nem um cachimbo. É um recuo.

 

Desvio 1:

Já que não tinha nada decidi avançar na hipótese da desobediência. Recuei mais. Pus-me a rememorar. De cabeça sem livros. sem tempo para longas pesquisas. Estavamos na véspera do Evento quando recebi a chamada dela. Lembrei-me de trechos da história da psicanálise, ha tanto tempo lida. Com prazer e alegria. Também decidi percorrer outras teorias, pois desde que abandonei a psicanálise percorri muitos outros campos teóricos.  Rapidamente percebi que a teoria avançava na maior parte das vezes em estado de desobediência. Agarrei-me nessa ideia. afinal.  Aquela altura só ela me salvaria. Decidi olhar para o mestre maior da Escola para aonde ia imprudentemente eu. Assim como que despida. Sem texto. Jacques Lacan! Um enorme desobediente. Desobedeceu quase tudo o que Freud tinha prescrito como mapa teórico, e mais ainda: desobedeceu os norteadores até ali delimitados da pratica da psicanálise. E hoje sabemos claramente a diferença entre uma experiência analítica lacaniana e uma experiência analítica de inspiração freudiana…

 

Recuo 2:

Mas como o telefonema da Sra. Ozenir (que tive o imenso prazer de conhecer) me inspirou muito eu tive que ir um pouco mais além, para falar da importância de, nesse momento atual, no Brasil de hoje, desobedecermos. E tomarmos a desobediência como norte. Porque até aonde meus olhos alcançam a lei e o governo já não estão norteando-nos mais…

Tomar a desobediência – como gesto crítico – que exige rever as ideias que até agora sustentaram tanto o que pensamos das coisas do mundo quanto de nós mesmos. Ou seja desobedecer a você mesmo, em primeira mão.

Acredito sinceramente [sei que não é aconselhável escrever com esse tipo de argumento num texto crítico, mas estou desobedecendo e sim acredito] que a maior parte das ideias e conceitos que temos tanto de nós quanto do mundo não estão alcançando nem a nós nem o mundo nesse momento preciso. Estamos atordoados. Atônitos. Sem entender. e obvio sem responder ao que acontece. A cada dia. Não creio qye sempre tenha sido assim. Já tenho alguma memória apesar dos seus buracos. E sei que o cenário atual conjuga uma instabilidade maior. Porque ela não se passa apenas no plano econômico ou político. Ela se passa num outro plano. Sabe quando ficamos muito tempo num quarto escuro e saímos ao sol. Pois é estamos sofrendo de visões desconectas pós longa e densa cegueira. Nada a ver com decepção e melancolia. Mesmo que esses efeitos sejam inevitáveis. estamos tirando vendas dos olhos. E nesse momento nos damos conta de quão despreparados estamos. Estamos tirando vendas dos olhos não porque nossas teorias nos ensinaram a ver (isso ruiu). Estamos tirando venda dos olhos porque quem não falava ingressou na roda. Multiplicaram-se os atores sociais. Políticos. Subjetivos. E o sistema instabilizou.

 

Nota 1:

A psicanalise, a meu ver, deveria trazer sempre para si essa potencia (contida nos seus mestres) para desobedecer e incluso aos seus próprios mestres e mentores – isso importaria muito no âmbito e no compromisso com muitos dos impasses que vivemos hoje. E por que? Porque o mundo viu realmente emergir com as novas tecnologias, com os novos processos de liberação dos povos, com propagações rápidas de questões que antes tardavam muito – em todas as direções – a emergência ou a configuração de novos modos de trabalho, e de novas subjetividades. Mas essas novas subjetivações (e sobretudo no Brasil) ainda são muito frágeis. E vivemos hoje num contexto muito desfavorável tanto à fragilidade quanto ao novo. Todos nós que trabalhamos com as subjetividades – e arte e a psicanálise fazem isso de modos distintos – devemos estar atentos e abertos a isso aí. Aos novos atores. ruídos. Vozes instáveis. Abram os poros. Despertem.

 

Recuo 3:

Mas a minha desobediência aqui é mais singela – eu queria olhar para vocês e lhes entregar hipóteses, gestos, um certo esforço para pensar o nosso tempo. Me desafiando e quiçá a vocês também. Se me enganei ou não agora já não importa. Sigo meu desejo. Porque quero poder falar também com o meu coração e não apenas com a minha cabeça. E isso a academia branca no Brasil ainda não aprendeu a fazer. Ainda estamos na alfabetização nesse aspecto. Até conseguimos alguns efeitos do belo. Palavras bem tramadas, sobretudo nós das letras e também aqui e ali os da filosofia. Os da psicanálise …. Mas efeitos do belo ou excelente domínio da retórica –  que podem tocar o coração, muitas vezes também encerram-nos no impacto que o próprio belo produz – em algo essa espécie de rapto e hipnose de que já falava Roland Barthes (2003, 301).

Então esse longo prólogo – já ele mesmo um tanto desse texto inexistente – vem aqui para me ajudar a introduzir do que e do como quero tratar buscar os dois eixos de problemas (a perda de si e o apagamento do outro) que se colocam em disputa no cenário teórico-prático da cultura contemporânea, mas cuja genealogia remonta às relações e às reações da cultura ocidental diante da forma homem e, por conseguinte, diante do inumano.

 

Nota 2:

De um lado temos a desconstrução identitária, a fluidez, a porosidade e as potências do inumano como traços das conquistas das novas constituições subjetivas a partir da segunda metade do século XX.  E do outro lado temos a insurgência das reivindicações identitárias, dos lugares de fala e das profundas cicatrizes de um processo de desumanização e apagamento do “outro” – observem que esse diagnóstico que acabo de fazer já envolve algo problemático:

– Como assim a cultura ocidental parece ter se liberado da forma homem, desconstruindo-a e abrindo-se a n-formas, n-sexos, n-modos de vida e ao mesmo tempo infringido ininterruptamente a essas “mesmas” formas outras que abria?

– Vamos chamar aqui essas formas inumanas, desconsideradas através de políticas de apagamento, de desmerecimento, de descaso, de tortura, de silenciamento, de escravização, de subalternização, etc.

– Mas então seriam essas formas inumanas subalternizadas que buscariam hoje solidificar sua humanidade, sua rostidade, suas identidades indo –aparentemente- muitas vezes contra a corrente do grande vento teórico da Europa branca que quis nos liberar para as nossas potencias inumanas?

 

Nota 3:

Para tentar dar alguma solidez a esse meu diagnostico e questões vou delimitar um percurso. Mas não sem antes deixar explicito o meu recado. Que parte do seguinte: o problema que eu gostaria de ao menos tocar ou sensibilizar é aquele que indica como que a intelectualidade branca – que em sua razão ou paradigma é patriarcal e machista– gera reações de recusa, de desconforto ou mesmo de negação teórico-prática das novas reivindicações dos grupos identitários – falo do Brasil, logo das mulheres e dos negros.

Por que sentimo-nos como se isso representasse um retrocesso teórico? Algo que a própria teoria que nos sustenta não poderia suportar?

 

Nota 4:

Vou tentar evitar as interpretações tanto as mais obvias quanto as mais grosseiras. As obvias vamos guardá-las sob o signo do desejo de manutenção ou do medo da perda de um status quo garantido; as mais grosseiras vamos guarda-las sob o signo da excessiva atribuição de sentido à ênfase conflitante – aos medos das guerras e desavenças – entre homens e mulheres, brancos e negros, etc. O Brasil um país que vive em guerra desde sempre e ao mesmo tempo nunca entrou em guerra. Declaração ausente da nossa história…

 

Nota 5:

Como vou tentar desenvolver esse diagnóstico?

Vou tomar o escritor francês Antonin Artaud como ponto de inflexão e de passagem para o pensamento e a cultura contemporânea (a partir da segunda metade do século XX). Ele que talvez tenha sido aquele que mais radicalizou as experiências da perda de si mesmo – e logo dos procedimentos de desidentidade como matriz das subjetividades contemporâneas.

– A Perda de si em Artaud – gostaria de indicar esse procedimento a partir de 3 séries que para mim compõem aquilo que num artista acaba sendo o delinear de uma nova economia político-afetiva. Óbvio que nem todos os artistas engendram-se nesse quadro, e muito menos nem todos quando o fazem o fazem de modo programático. No caso de Artaud, que apesar de ter estado inserido num momento em que a arte seguia determinados programas – vanguarda – por sua radicalidade extrapolou em seu delinear, em suas séries, todo e qualquer programa. Por isso venho dizendo e repito que o legado de Artaud foi [é] mesmo para o contemporâneo e não para a modernidade.

Isso que estou chamando de nova economia politico-afetiva diz respeito as produções artísticas que enfrentam e recriam sobre três séries concomitantes, porém distintas, são elas:

  1. série propriamente vinculada à produção de novas subjetividades
  2. série de questionamento dos limites, das zonas de borda que delimitam um horizonte estético aonde se inserem – por exemplo e grosso modo: qual o horizonte estético da pintura nesse momento – ah o quadro, então vamos interrogar se há pintura fora dos limites do quadro?
  3. série que interroga os acoplamentos ou inscrições políticas tanto da subjetividade quanto da arte

Vou tomar 3 momentos e 3 trechos diferentes da obra de Artaud para construir essas séries com o intuito de que vocês percebam que o efeito disso acabou sendo essa perda radical de si mesmo como gesto de experimentação estético-político. Não havendo mais a possibilidade de se pensar num sujeito que preceda a experiência artística – e exigindo pactos teórico-críticos que a partir daí questionem de forma frontal essa estabilidade ou esse pressuposto do sujeito – e por conseguinte de efeitos dele, tais como as identidades por ele forjadas. Um e outro caem nessa equação.

O primeiro momento na obra de Artaud localiza-se nos primórdios de sua escrita. Em 1924. Quando envia ao Editor da Gallimard os seus poemas. Que são recusados. Eles iniciam ali uma intensa troca de cartas. Destaco:  “Sofro de uma assustadora doença do espírito. meu pensamento me abandona em todos os graus. Desde o simples fato de pensar até a sua materialização em palavras” (2017, p. 22).

O segundo momento localiza-se no final da vida dele. Estava interno no Asilo de Rodez, depois de ter sido preso na Irlanda em 1937 e peregrinado por instituições policiais e manicomiais entregues ao nazi-fascismo europeu. E imerso num regime de transito constante entre a escrita e o desenho. Ele escreve: “O Rosto humano é uma força vazia, um campo de morte. A velha reivindicação revolucionária de uma forma que jamais correspondeu ao seu corpo, que partiu para ser outra coisa que não o corpo. (…). Faço aparecer, às vezes, ao lado das cabeças humanas, objetos, árvores ou animais porque ainda não estou certo dos limites nos quais o corpo do eu humano pode se fazer deter.” (Le Visage Humain, texto de abertura da exposição “Portraits et dessins par Antonin Artaud”, na Galerie Pierre  4-20 de julho de 1947). Trad. Ana Kiffer.

E o terceiro momento, logo que chega a Rodez, em carta ao Médico Latremolière: “O eletrochoque me desespera me rouba a memória, entorpece meu pensamento e meu coração. Faz de mim um ausente (que se sabe ausente e se vê durante semanas à procura do seu ser, como um morto à procura de um vivo…). Isso me traz essas terríveis duplicações de personalidade sobre as quais escrevi na Correspondência com Rivière, mas que na época eram um conhecimento perceptivo e não suplícios (…) Coloque-se um segundo no meu lugar, (…), como um escritor e um pensador que não para de trabalhar, e veja o que você pensaria dos homens e de tudo se fosse permitido, como fazem comigo, abusarem de você dessa forma”. (2017, 99-100).

 

Acho suficientemente claras as relações que essas séries esboçam no que tange a esse processo de dessubjetivação. Elas traçam um horizonte dessa nova economia politico-afetiva – que enceta tanto a necessária exploração ou necessária relação entre a atividade artística e a ‘perda de si mesmo’ – como se algo da criação se inscrevesse nessa borda que faz vacilar a constituição da própria subjetividade. E no caso do Artaud a radicalização disso através de procedimentos externos, no caso os eletrochoques, que sob pretexto de devolvê-lo a ele mesmo extirpava-lhe a vida possível.

Sugiro, como efeito dessa hipótese que construo com Artaud, que a perda de si torna-se uma certa matriz donde efeitos incalculáveis proliferam. Obvio que não estou dizendo que isso coloca Artaud como ponto de origem. Esse ponto não existe. Ele foi um intercessor de um efeito pelo qual passou a cultura dos sessenta-setenta. Momento onde também a instabilidade inscrevia-se na própria concepção de vida. E não apenas em estruturas determinantes da vida:

– matriz para o pensamento contemporâneo – pensamento esquizo (Deleuze-Guattari) e desconstrução derridiana, mas também próximo aos últimos textos de Foucault e as consequentes reivindicações queers.

– abertura para invenção constante de si mesmo – movimentos de body art, performance –

 

Notas 6:

No entanto, e essa é uma questão primordial, as recentes lutas identitárias – diferente desse momento em que a liberação de si coincidia até certo ponto com uma certa perda de si mesmo – vem encontrando por parte do pensamento intelectual uma grande resistência, como se estivessem encetando um retrocesso de tudo isso sobre o qual falei até aqui.

A meu ver não se trata disso. Em parte porque como venho observando que a radicalidade dessa proposta de Artaud ainda não foi ouvida em seus efeitos político-subjetivos. E sob esse aspecto – diferente dos autores que inspiraram um vento consistente para se pensar os processos de dessubjetivação (a dessubjetivação é uma das figuras do inumano) – penso aqui em Beckett ou Kafka por exemplo – Artaud desafia ainda os limites do sistema estético e literário.

Isso porque de fato as suas propostas não se circunscrevem ao âmbito artístico – como que exigindo constantemente um novo modo de vida – uma nova prática. E por outro lado porque, diferente desses autores, Artaud efetivamente padeceu de forma lancinante do suplício, exclusão, e julgamento dos homens – o que fez com que sua linha dessubjetivante nunca, em nenhum momento, se descomprometesse das vidas precárias (excluídas se quiserem, minoritárias se preferirem) complexificando as suas discussões. A partir desse percurso deixo algumas questões ou hipóteses com vocês para reflexão:

– No momento inicial desse texto disse que evitaria as interpretações mais duras e apontei um certo quadro delas – gostaria que voltássemos para que vocês notas sem agora um outro ponto;

– Vejam como parece ter ficado assegurado – como uma conquista de quem pode (leia-se de quem tem dinheiro, educação, família, nome, etc.) – a perda da identidade ou a experimentação identitária como plataforma subjetiva e artística no contemporâneo;

– Há aí uma imensa contradição: algo como: ‘podemos perder as nossas identidades porque elas continuam salvaguardadas por aqueles que não tem nem rosto nem nome’: as mulheres, travestis, as mulheres negras a quem continuaremos a entregar os limites da nossa casa – do nosso contorno.   Enquanto eles – elas – não tiverem rosto e nome nós poderemos ser tudo – incluso momentaneamente não ser;

– Obvio que a maior ameaça provocada em termos de relação entre corpus e socius – das questões identitárias nos grupos minoritários – é a necessidade de encaramos os nossos próprios rostos, as identidades que escondemos ou camuflamos sob a atmosfera da nossa conquista de fluidez;

– O impasse teórico entre a identidade como essência e a identidade como máscara. Já sabemos que a identidade é sempre mascara. Provisória. Talvez nem todos saibam que essa é a identidade necessária para o bom funcionamento da economia. e a fluidez do capital;

– No entanto qual a máscara que hoje os grupos minoritários nos exigem que coloquemos em nossa cara? essa me parece ser a nossa maior dificuldade em ouvirmos os negros, posto que teríamos que vestir necessariamente a nossa máscara racista;

– E dos homens ouvirem as mulheres – porquê teriam que vestir necessariamente a máscara machista – não como essência – mas justo porque como máscara –  essa identidade foi e é um efeito inevitável da nossa homeostase politico-afetiva;

 

– Temos que pensar, fazer, agir, conversar sobre novas economias afetivas do cuidado sem que o cuidado resvale numa equivalência entre outridade, diferença, potencias fluidas do inumano e fracasso, loucura, derrocada;

– Como podemos nós mesmos transformarmos a valoração disso – quer dizer você não tem nenhum problema em aceitar a questão gay e trans, mas se o seu filho quiser ser trans você não vai admitir?

– Você não é racista mas se a sua filha se casar com um negro você não vai admitir?

– O que acontece nessa trans-codificação entre o que parece ter sido informado e até capitalizado pelo mundo contemporâneo mas não foi realmente subjetivado por todos nós? Como a psicanálise pode agir nesse sentido? Quais ferramentas teórico-práticas pode criar com outros campos?

 

Desvio 2:

Estejamos nós no MBL ou não ainda tememos essa passagem – em maior ou menor grau. E o primeiro passo seria nos confrontarmos com isso. Com o compromisso entre o nosso temor – em discordância com o que falamos ou proferimos – e como esse temor silenciado vem – e sobretudo nesse momento – abrindo a brecha para as piores apropriações dele como temos visto nesse momento no Brasil: terreiros de candomblé destruídos no século XXI com requintes de tortura, exposição queer fechada, entre outros.

O desafio seria então produzir uma teoria ferramental que nos ajudasse a realizar essa passagem. Como a psicanalise – que ate hoje serviu majoritariamente a elite branca e portanto a consolidação desses espaços familiares –sejam eles mais ou menos abertos – poderia ajudar ou atuar agora nesse processo? Seria possível pensarmos hoje numa função critico-clinica que abrisse os formatos ou os settings analíticos para espaços incluso [e sobretudo] não instituídos?

Acredito que essa seja uma questão para começarmos a pensar juntos: artistas, intelectuais, psicanalistas, pastores, mães e pais de santo, padres, jovens estudantes. A subjetividade talvez seja a maior pauta e ainda o maior desafio politico-econômico dos nossos tempos. Meu chamado, que aliás remonta à radicalidade de Artaud, vai nessa direção.

Obrigada

 

 

Bibliografia:

ARATAUD, A. A Perda de Si – cartas de Antonin Artaud. (org.) KIFFER, A. trad. KIFFER, A & PATRICIO FERNANDES, M. Rio de Janeiro, Rocco, 2017.

_________. Dessins et Portrait. Marseille, Reunion des Musées Nationaux, 1995.

_________. Oeuvres. Paris Gallimard, 2004.

BARTHES, R. Fragmentos de um discurso amoroso. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

KIFFER, Ana. Antonin Artaud. Rio de Janeiro, EDUERJ, 2016.