Escola Lacaniana

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Pai em três tempos – texto-base para Seminário de 30/09

UM PAI EM TRÊS TEMPOS

Teresa Melloni – 1996

 

Comecemos por uma história: Era uma vez, um pai de família, que buscava um presente para dar ao velho pai, a quem atribuía todo o seu sucesso na vida; tinha que ser um presente especial.

Então indagou ao seu jovem filho:

 – Que presente darei ao seu avô para que ele fique mito feliz?

 O infante prontamente respondeu:

– Já sei: Um pai! Ele precisa de alguém que o advirta sobre o Bem e o Mal, o ajude nas decisões e o proteja nos momentos de perigo.

 

A partir deste fragmento da clinica, vou tentar identificar as diferentes localizações subjetivas denominadas por Porge, “formas de sujeito”, por relação so elementos de estrutura, sob a vigência da função paterna.

Logo de início, se me apresentou uma dificuldade banal, que me fez refletir: a referência aos três elementos da cena me levou à confusão, já que os três personagens formavam 2 pais e 2 filhos. Parecia simples: as denominações – velho pai/jovem pai e filho homem/filho criança resolveriam a questão.

Mas não era bem assim. A teoria nos remete a momentos diversos na relação do sujeito ao lugar do Outro, produzindo, portanto, formas diversas de constituição de objeto. Assim, encontramos o Pai-Mítico – detentos do gozo, ao qual se dirigem todos os sacrifícios, e ainda o Pai simbólico, função da linguagem, que abre pra a formação do inconsciente, sob forma de chiste. Então, já tínhamos quatro pais e dois filhos. Que significava este desdobramento? Significa que, onde o sujeito é apontado é ali onde ele não está; sujeito é um conceito evanescente.  Lacan (sem XX p. 67), ao falar da intersubjetividade, diz: “O que suporta cada um dos sujeitos não é ser um entre os outros, mas um ser, em relação aos dois outros, aquele que está em jogo no pensamento deles, a título desse objeto a, que ele é sob o olhar dos outros. Entre dois, quaisquer que eles sejam, há sempre Um e Outro, o Um e o a, e o Outro não poderia ser tomado por Um”.

Então, resolvemos descrever esta cena, caracterizando seus personagens a partir do lugar que ocupam para o Outro, isto é, temos que investigar, por exemplo, o que representa para o jovem pai, o silêncio do velho Pai? O que representa seu filho infans, enquanto demandante? Supostamente, o saber o que quer?

Desta forma, demarcamos três tempos distintos na cena, a saber: 1. O jovem pai enquanto filho, se dirigindo ao velho pai: 2. O jovem pai enquanto pai se dirigindo ao filho-criança; o filho respondendo ao jovem pai, situando-o já num lugar outro.

Porge, ao falar de subjetivação, diz: “… o significante engendra o sujeito, e os três tempos realizam formas de sujeito – subjetivação.” (…) Assim, o sujeito não pode ser apontado enquanto espacialização, e sim, enquanto tempo. Lacan reserva o termo significante aos tempos de parada na apresentação do sofisma dos três prisioneiros. Como sabemos, para apontar o sujeito a partir de sua situação no tempo, é indispensável a topologia. No primeiro momento da cena, o sujeito se perde na fixação do objeto que falta ao outro – objeto da demanda, que se ofertado aplacaria sua radical alteridade, evitando o confronto com o desejo (Vd grafo do desejo).

O velho pai, indicando para a face real do objeto – objeto de gozo e, simultaneamente, indicando sua via simbólica de objeto perdido – objeto causa, provoca a articulação entre os outros dois personagens em torno de uma imaginarização de objeto – objeto fálico. Assim, se estabelece a lei do desejo.

O velho representa o pai morto, do qual deve se incorporar a força, na tentativa de gozo. Assim, se explica a culpa pelo abatimento do envelhecer e a impotência. À pergunta “quem sou eu?”, o jovem pai só tem a resposta “tu és (tuer), temor à morte”.

Esta é a compreensão mítica para dar conta do incontável, que é a resposta à questão do “quem sou eu?”, insuportável a todo o humano, para a qual a única resposta vem da nomeação: alguém investido da função paterna lhe dá um nome e um sobrenome. É o Nome do Pai – marca fundadora do sujeito, localização simbólica que já o espera no lugar da linguagem. “No simples fato de que eu me defino em relação a um senhor como seu filho, e que o defino a ele, como meu pai, há algo de tão imaterial quanto possa parecer, pesa tanto quanto a geração carnal que nos une. E mesmo, praticamente, na ordem humana, pesa mais. Porque, antes mesmo que eu esteja em condições de pronunciar as palavras pai e filho, e mesmo se ele está gagá, e não pode mais pronunciar essas palavras, todo o sistema humano em volta já nos define com todas as consequências que isso comporta, como pai e filho.” (Lacan Sem I)

Assim, Lacan tenta situar a nova ordem, na qual o sujeito se reconhece na organização social – a ordem significante.

A topologia, através da descrição das relações dos elementos que constituem o aparecimento do sujeito num dado momento, “tem o estatuto de escrita – escrever um momento temporal: o desenho é um matema que transmite algo além do sentido”. (Granon Lafont, A topologia, p. 27).

 

O que haveria além do sentido?

“A dimensão intolerável oferecida à experiência humana não é a experiência da própria morte, mas a da morte de um semelhante”

(Lacan – Hamlet).

 

Considerando o ponto de vista do personagem inicial, o jovem pai, o perecimento  do velho pai aponta par a morte, abalo da imagem narcísica, perda do objeto, instante de ver – falta a ver.

A iminência da morte e da ameaça da castração, fator desencadeante do aparecimento do sentimento inconsciente de culpa. O velho pai em reeditar o pai totêmico, como objeto do desejo inconsciente de morte.

Como diante da morte não há significante suficiente que dê conta, o sujeito necessita de um trabalho de luta que restabeleça a ordem narcísica necessária para fazer frente a este retorno do real.

Nesse lugar, surge a especulação em torno do presente, presente especial, presente para além da possibilidade comum de troca, presente que não se compra com nenhum dinheiro, presente que tenha valor de felicidade e de completude, enfim presente impossível. O valor do ritual é de mediatizador entre a falta real e ordem significante. Tentativa de pagar a dívida impagável, sacrifício ao pai, em lugar de sacrifício do pai.

Dentro dessa ótica, situamos a primeira parte da cena, na qual o jovem pai, enquanto filho, se coloca no lugar da demanda ($<>D): o que ele quer de mim?

O saber absoluto do real acossa ao indagar: “Che vuoi?”, imprimindo a Lei fundamental – Goze! É o gozo do Outro enquanto insuportável, aquele que liquidaria com todo e qualquer desejo.

A tentativa de repetir a oferenda totêmica, que aplacaria a ira dos deuses, se repete, na esperança de realização, no filho criança, objeto fálico. Então, submetido à renegação originaria de dívida de gratidão ou culpabilidade pela morte, este homem tem que dar conta, diante do filho e sucessor, da referência fálica.

Segunda parte – O jovem pai, buscando no filho criança o objeto imaginarizado que o perpetuaria depois da morte, procura compreender a relação da dívida simbólica:

– Se eu não sei, meu filho sabe como fazer um pai feliz. E assim que desliza, na vacilação do saber, em direção a um outro da identidade – sujeitos recíprocos.

 

Didier Weil, tratando do Nome próprio, Nome do Pai e Nomeação simbólica, diz: “É neste instante em que o significane S1, no lugar de agente, se mostra impotente para responder ao Che Vuoi? que uma outra dimensão, além daquela do Nome próprio ou do Ideal de Eu, vai ser requerida: a do sujeito do inconsciente $. Assim nasce a indagação: quem sou eu? Diante da demanda do Outro: que queres de mim?”

Entretanto, é aí mesmo, no discurso do infans, a partir do lugar de non-sense, apontando para o impossível, que o significante paterno ressurge na linguagem, como inquebrantável, reincidindo o processo de simbolização, na montagem especular e devolvendo a pergunta: “tu deves o que eu devo”, passando adiante a dívida.

Este é o momento de concluir, onde o sujeito fica suspenso em a – objeto da fantasia. É o puro sujeito do significante, lá no campo do Outro, lugar prévio para o sujeito, que neste momento deixa o basteamento dos significantes que o representam, enquanto sujeito dividido, como também deixa seu apoio na suposição de saber e passa à assertiva antecipada determinada no Outro da linguagem. Trata-se tão somente de definir as condições formais das relações humanas nas quais um sujeito é levado a formular um julgamento, a decidir, a agir.

Isto só é possível, se supusermos a intermediação da linguagem, com seu esgotamento na morte, lugar da significância. E é aí, na linguagem, que concebemos o elemento feminino, necessário a esta linhagem de machos, apresentada na nossa cena. Linguagem com seu teor de não toda, com seu gozo a mais, sempre a ser dito, apontando para o gozo do Outro, com a qual, A mulher tem relação. (Lacan sem XX)

É na suspensão da regra fálica – existe pelo menos um que não é – que A mulher não sabe o que diz, pois é no limite da significação.